RUBEM ALVES

No Natal, ganhei o livro “Concerto para Corpo e Alma” de Rubem Alves. Achei legal deixar esse ser o meu primeiro texto do ano. São trechos da crônica “Sobre Simplicidade e Sabedoria”.

Os jovens e os adultos pouco sabem sobre o sentido da simplicidade. Os jovens são aves que voam pela manhã: seus vôos são flechas em todas as direções. Seu mundo é o mundo da multiplicidade. Eles a amam porque, nas suas cabeças, a multiplicidade é um espaço de liberdade.

Com os adultos acontece o contrário. Para eles, a multiplicidade é um feitiço que os aprisionou. Se, para os jovens, a multiplicidade tem o nome de liberdade, para os adultos, a multiplicidade tem o nome de dever. A cada manhã dez mil coisas os aguardam com as suas ordens (para isso existem as agendas, lugar onde as dez mil coisas escrevem as suas ordens!).

Na multiplicidade nos perdemos: ignoramos o nosso desejo. Cada ponto de chegada é um ponto de partida. Cada reencontro é uma despedida. É um caminho onde não existe casa ou ninho. O caminho da ciência e dos saberes é o caminho da multiplicidade. Não há fim para as coisas que podem ser conhecidas e sabidas. O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma.

Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. Mas os tijolos nada sabem sobre a casa. Os tijolos pertencem à multiplicidade. A casa pertence à simplicidade: Uma única coisa.

Diz o Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma uma coisa. Na busca da sabedoria a cada dia se diminui uma coisa.”

Diz Manoel de Barros: “Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar. Sábio é o que adivinha.”

Sabedoria é a arte de provar e degustar a alegria, quando ela vem. Mas só dominam essa arte aqueles que têm a graça da simplicidade. Porque a alegria só mora nas coisas simples.