NIETZSCHE DISSE:

Nietzsche disse que a enfermidade fortalece a alma. À primeira vista me pareceu que esse fenômeno ocorre por causa de uma aplicação maior da força de vontade, perseverança e muita paciência vindas do enfermo para adquirir a cura. E tudo isso se aloja num plano etéreo para ser usufruído pela pessoa depois da cura.

Hoje eu já penso diferente. Depois de me acidentar em um treino para um personagem e passar a desfrutar de umas férias forçadas, eu percebi que Nietzsche falava do ritmo. Pelo menos pra mim, foi assim. A enfermidade nos faz ouvir, enxergar, sentir e comunicar em outro ritmo.

É como se tivéssemos que parar de nos distrair com as futilidades do dia-a-dia e recebêssemos um convite, daqueles bem veementes, para fazer um mergulho de ponta-cabeça pra dentro do dentro e do mais dentro ainda, em camadas cada vez mais finas e transparentes. Isso, externamente, a gente percebe através do ritmo. Uma musicalidade mais tocante que emanamos para nós mesmos. Uma visão mais perceptiva.

É por isso que a música, o teatro, o cinema e todas as outras artes existem. É pra provocar essa “enfermidade saudável”, criar uma nova musicalidade sem que precisemos destruir nossos ligamentos musculares e sermos obrigados a andar de muleta. Mas confesso que vivi uma enfermidade de mergulhos agradáveis, paparicos e muitas visitas. Teve hora que minha essência parecia tão simples como um vôo de passarinho. Mas aí percebi esse passarinho carregando o complexo quando perguntei qual era o seu destino.

Complexo ou simples, eu sei que quando fui com uma ex-muleta ao bar-café do Palácio das Artes, os paparicos me acompanharam. Uma recepcionista me impediu de descer as escadas e me conduziu até um elevador especial com um largo sorriso, as garçonetes não cansavam de me perguntar se eu estava satisfeito e os amigos que surgiram, por acaso, aproximavam-se da minha mesa inspirados pela boa prosa.

A filosofia tem vários pontos de vista mas, pra mim, pensando agora de forma muito profunda e séria, Nietzsche deve ter escrito o que citei acima depois de perceber que a enfermidade lhe deu mais bolo de chocolate com morangos e mais paparicos. Isso muda o ritmo! Isso nos faz mergulhar noutra musicalidade e renova a alma! Mas um conselho meu: se puderem escolher entre a arte e a enfermidade, escolham a arte! O efeito para a alma é o mesmo e não tem contra-indicações. O único problema é que os paparicos são menores.