Estou voltando para o local que, no ano passado, me fez muito feliz por ter vivido alguns encontros e descobertas que misturaram o profissional com amizade e crescimento pessoal. Era para eu ministrar um curso para pessoas com poucas experiências no teatro, cinema e TV. Preferi então não me apegar muito na técnica de atuação e trabalhar com as experiências já vividas de cada um, relembrando o que eu já aprendi no psicodrama. Lá estava gente de todas as idades, pensamentos, buscas e descobertas. Até hoje foi o grupo mais heterogêneo que eu já tive. E já que todos foram muito sinceros e profundos em suas revelações, eu vou procurar não expor o nome da turma (Até mesmo porque eu ia ter que citar quase vinte nomes, para ser justo com todos).
Já no primeiro exercício eu me surpreendi com um homem que fez uma cena segurando uma passagem de avião. Logo depois fui saber que ele foi o único sobrevivente do vôo da Gol. Ele perdeu o avião e aquela passagem se tornou o símbolo do seu renascimento. Um rapaz fez a cena do suicídio de seu melhor amigo. Uma mulher fez uma cena de alguém que precisava passar sempre um tipo de pomada nas mãos, por quinze anos. Ela acreditava que se não passasse a pomada, suas mãos iriam sangrar. E, segundo ela, de fato sangravam. A cena foi justamente o momento em que ela havia se livrado desse fardo. Também teve um homem que buscava seu pai. Um ex-criminoso que se definia um novo homem para a sociedade. Ele mudou justamente para ser um melhor exemplo para o seu amado filho que acabara de nascer. Alguns jovens com crises de adolescente. Alguns senhores com formações rígidas. E todos dispostos a saltar.
Saltaram para dentro de um abismo azul. É lógico que a minha responsabilidade aumenta sempre que eu proponho um trabalho desses. Mas ali parecia que algo maior nos. Nos conduzia. E até a minha experiência podia ficar um pouco de lado para eu me tornar um atento espectador que somente aponta o melhor caminho de uma boa cena. E isso foi tão verdade que eu pedi a presença de um roteirista para escrever todas as cenas. Ambientamos tudo isso numa festa com pessoas bem diferentes e, sem que eles soubessem, o roteiro estava pronto. Um tipo de roteiro surrealista e super-realista. Aí foi só a produção encontrar as locações, figurinos e outros apetrechos. E lá estávamos nós. Filmando. Brincando com nossas próprias experiências e fazendo da vida uma manifestação da arte.
O filme me agrada muito, mas ele não seria o mesmo se não existisse essa história de entrega, confiança e carinho que todos depositaram em mim e nesse nosso momento. Isso é o que vale pra mim. Porque mais belo que o resultado final, tem que ser a caminho pra se chegar nele. O filme se chama Caleidoscópio. Agora eu estou voltando para a mesma cidade e provavelmente vou me encontrar com algumas dessas pessoas que citei aqui. Eu sei que ao nos olharmos, teremos esse curso como um filtro para nos harmonizar numa emoção que só nós conhecemos. Tomara que essa oficina tenha a entrega que teve a do ano passado. Os inscritos vão ganhar um curso mais técnico porque são profissionais com experiência artística. E que os Deuses da arte nos protejam!