Trechos de Grande Sertão, Sagarana, Corpo de Baile saltavam na frente desse menino através dos bonecos que tomavam forma de Riobaldo, Diadorim, Sarapalha, Francolim e Burrinho Pedrês. Tudo era lúdico, mágico e profundamente humano. Pena que esse espetáculo só existiu até o dia em que esse netinho fez seis anos de idade, porque logo depois o seu avô morreu. Os bonecos já não tinham a mesma graça, o mundo já não era tão mágico e a dor da perda se apresentou pela primeira vez naquele coraçãozinho desiludido.
Depois disso o tempo passou, esse menino cresceu e seguiu outros caminhos. Mas o estranho abstrato da arte sempre batia em sua porta em formato de amigos que o chamavam para interpretar num teatrinho amador, escola que o obrigava a representar personagens de livros e um grupo de teatro bem “Cara de Pau” com uma amiga e atriz que praticamente o levou amarrado para completar a trupe que posteriormente ganharia um festival de teatro amador.
Devido a tantas insistências do acaso e desconfiado de ser a vítima de uma sina, esse menino já crescido resolveu aceitar a arte que estava plantada pela semente do inexplicável e reapresentada pela figura do seu avô, que agia como aqueles atletas que correm, passam o bastão e gritam: Siga o seu caminho e salte todos os obstáculos. Mesmo que você caia, se levante! E quando se levantar, continue! E quando continuar, sinta, viva e desvende o seu destino até chegar na reta final de um novo começo.
Realmente é o que esse homem anda fazendo. Ele segue a vida contando histórias para ver na platéia aqueles momentos emocionados, alegres, vivos e humanos que seu avô um dia lhe apresentou. E me parece que essa pequena lenda é verdadeira, pois um dia esse homem se viu diante de uma caixa cheia de fotos e se deparou com uma fotografia antiga e sem negativo de seu avô fazendo uma despretensiosa apresentação de bonecos para um grupinho de crianças lá em Chapada do Norte.
Esse homem deixa uma lágrima cair de seu olhar bem em cima de uma informação que estava na foto e que marcaria aquele momento como a certeza da profecia. A data da fotografia é o mesmo mês e ano que ele nasceu. Aquela imagem, mesmo vinda de longe, representa a sua lembrança congelada e que nasceu junto com ele. Por isso, hoje, esse homem-menino carrega consigo essa foto como talismã para transformar perda em força, arte em vida e provar para os céticos que o acaso só existe se for na forma de uma sina.