RUBEM ALVES

No Natal, ganhei o livro “Concerto para Corpo e Alma” de Rubem Alves. Achei legal deixar esse ser o meu primeiro texto do ano. São trechos da crônica “Sobre Simplicidade e Sabedoria”.

Os jovens e os adultos pouco sabem sobre o sentido da simplicidade. Os jovens são aves que voam pela manhã: seus vôos são flechas em todas as direções. Seu mundo é o mundo da multiplicidade. Eles a amam porque, nas suas cabeças, a multiplicidade é um espaço de liberdade.

Com os adultos acontece o contrário. Para eles, a multiplicidade é um feitiço que os aprisionou. Se, para os jovens, a multiplicidade tem o nome de liberdade, para os adultos, a multiplicidade tem o nome de dever. A cada manhã dez mil coisas os aguardam com as suas ordens (para isso existem as agendas, lugar onde as dez mil coisas escrevem as suas ordens!).

Na multiplicidade nos perdemos: ignoramos o nosso desejo. Cada ponto de chegada é um ponto de partida. Cada reencontro é uma despedida. É um caminho onde não existe casa ou ninho. O caminho da ciência e dos saberes é o caminho da multiplicidade. Não há fim para as coisas que podem ser conhecidas e sabidas. O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma.

Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. Mas os tijolos nada sabem sobre a casa. Os tijolos pertencem à multiplicidade. A casa pertence à simplicidade: Uma única coisa.

Diz o Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma uma coisa. Na busca da sabedoria a cada dia se diminui uma coisa.”

Diz Manoel de Barros: “Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar. Sábio é o que adivinha.”

Sabedoria é a arte de provar e degustar a alegria, quando ela vem. Mas só dominam essa arte aqueles que têm a graça da simplicidade. Porque a alegria só mora nas coisas simples.

DICA!


O CHEIRO DO RALO

Baseado em romance homônimo escrito pelo desenhista Lourenço Mutarelli, O Cheiro do Ralo marca o segundo filme dirigido pelo diretor Heitor Dhalia. Neste filme, o cineasta imprime muito mais de sua marca com um humor negro afiado, cínico e tragicômico.

Selton Mello interpreta Lourenço, dono de uma loja que compra objetos antigos. As pessoas que entram em sua pequena sala para se desfazer de antiguidades estão sempre precisando de dinheiro. Por isso, Lourenço aprende a explorá-las o máximo que pode.

Lourenço é mal-caráter, tem poucos escrúpulos, é decadente. Mas mesmo assim, sua canalhice é capaz de cativar o espectador pelo humor com a qual ela é tratada. Não é bonito ser Lourenço, mas os espectadores desprendidos de julgamentos morais conseguem enxergar o tragicômico que é o homem.

O Cheiro do Ralo é uma das boas coisas que o cinema nacional tem a oferecer. Premiado no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo em 2006, foi exibido no Festival de Sundance - uma das principais vitrines do cinema independente mundial -, nos EUA, coberto de elogios da imprensa local.

Crítica escrita por Angélica Bito